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Walden

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Henry David Thoureau em 1845, formado em Harvard, desgostoso com o crescente comercialismo e industrialismo da sociedade norte americana, deixou  sua cidade natal para construir sua casa e se instalar a beira do lago Walden, segue um trecho:

“No estado selvagem, toda família possui um bom abrigo, e suficiente para suas necessidades mais simples e rústicas; mas acho que não é exagero dizer que, se as aves do ar têm seus ninhos, as raposas suas tocas e os selvagens suas tendas, na sociedade civilizada moderna só metade das famílias possuí um abrigo. Nas vilas grandes e nas cidade, onde predomina especialmente a civilização, a quantidade dos que têm abrigo próprio é uma parcela muito pequena do total. Os restantes pagam por essa roupa mais externa de todas , que se tornou indispensável no verão e no inverno, uma taxa anual que daria para comprar uma aldeia inteira de tendas índias, mas que agora contribuí para mantê-los na pobreza durante a vida toda. Não quero insistir na desvantagem de alugar em comparação a possuir, mas é evidente que o selvagem possui seu abrigo porque custa pouco, ao passo que o homem civilizado normalmente aluga o seu porque não pode possui-lo; e com o tempo nem vai mais conseguir alugar. Mas, responde alguém, simplesmente pagando essa taxa o civilizado pobre pode morar numa casa que é um palácio em comparação à do selvagem. Um aluguel anual de 25 a 100 dólares, tais são os preços da região, permite-lhe gozar das melhorias dos séculos, aposentos amplos, pintura e papel claro nas paredes, uma lareira Rumford, paredes reforçadas com argamassa, venezianas, encanamento de cobre, fechos de mola, um porão espaçoso e outras coisas mais.

Mas como é que este homem, que dizem gozar dessas coisas, geralmente é um civilizado pobre, enquanto o selvagem, que não dispõe delas é rico em sua condição de selvagem?

Quando afirmam que a civilização é um verdadeiro avanço na condição do homem – e penso que é, embora só os sábios aproveitem suas vantagens-, precisam demonstrar que ela criou moradias melhores, sem serem mais caras; e o custo de uma coisa é a quantidade do que eu chamo de vida que é preciso dar em troca , à vista ou a prazo. Uma casa média aqui nas redondezas custa cerca de uns 800 dólares, e juntar esse dinheiro leva de dez a quinze anos da vida do trabalhador, mesmo que ele não tenha que sustentar uma família – calculando em 1 dólar o valor monetário da diária de um homem, pois, se alguns ganham mais, outros ganham menos-, de modo que ele terá de gastar, geralmente, mais da metade da vida antes de poder ter uma tenda própria. Supondo que, em vez de comprar, ele pague aluguel, continua a ser uma difícil escolha entre dois males. Seria sábio da parte do selvagem trocar sua tenda por um palácio nesses termos?”

Meu voto no Pt, o mensalão e a Universidade no espaço

Ao redor do relógio, que fica na praça do Relógio, na universidade de São Paulo, está escrito: “No universo da cultura o centro está em todo lugar”

Por que voto hoje no pt, mesmo com a questão do mensalão?

Quando fui aluno da psico na usp houveram várias greves, numa delas, em 2000, haviam aulas ministradas no gramado em frente à reitoria.  Naquele momento da minha vida já haviam alguns anos que eu lia jornal e conhecia um pouco as figuras politicas que faziam parte de suas páginas. Uma dessas figuras é o José Genuino, que foi lá dar aula durante a greve, onde pautas salariais e de melhorias nas condições de ensino se misturavam. Lembro algo sobre sua aula, contou de sua militância durante a ditadura e dos perrengues que passou. Mas de uma breve frase nunca me esqueci:  “O direito é formado por deveres.” então explicou o por que dizia isso. Pensei muitas vezes nessa frase quando caminhava pela praça do relógio recolhendo lixo. Pensava que pessoas que nem ao menos jogam seus lixos num lugar apropriado não deveriam ter o direito de estudar ali. Mandei uma carta pra fuvest (nunca me responderam) nela sugeri que colocassem uma questão eliminatória tipo: Quando vejo uma  senhora de idade querendo atravessar a rua na faixa eu devo:

a: acelerar que passo, b: jogar o carro pra cima pra ela aprender que a rua é dos carros, c: gritar pela janela que ela vá pra um asilo, d: parar e deixa-la passar

quem errar algo básico assim não pode entrar numa universidade publica, não têm nível pra isso, mesmo que acerte todas as outras.

Hoje, meio que sem querer, vi o Genuíno indo votar. De cabeça em pé, mesmo condenado por um crime que, desde a redemocratização, sempre ocorreu nesse País que amo; a maldita compra de votos. Vi o roberto Jefferson no roda viva, falando do Dirceu que comprava os pequenos burgueses para fazer a revolução socialista. Escutei da saída do Heródoto Barbeiro do roda viva a mando do sr. Serra que se incomodou com seus questionamentos . Sei que PT e PSDB têm a mesma origem, e que os dois estão tendo a diversos mandatos em níveis federais estaduais e municipais que fazer a triste política vigente de compra de votos. Seja pra fazer a revolução ou pra privatizar as empresas públicas que infelizmente foram a origem de muitos e muitos esquemas de caixa 2 e enriquecimento ilícito. Escutei até que a maior fortuna privada do País têm origem duvidosa  numa estatal.

Me emocionei com o beijo que a Dilma deu na bandeira do Brasil durante sua posse, em frente as corporações militares…, que a perseguiram por acreditar num ideário socialista.

Vivi as melhorias na cidade quando a Martha foi prefeita, as praças começaram a ser cuidadas, inclusive aquela em frente à sede do governo do Estado, historicamente psdbista. A revolução que foi o bilhete único pra quem pega duas ou mais conduções (até o serra fala disso). Os fantásticos CEUS que levaram cultura educação e esportes para onde só havia casas de pessoas que vinham a cada dia servir ” a cidade”.  Arrumar a cama que acolhe os sonhos e pesadelos de uma elite econômica que nem ao menos se senta na mesma mesa para almoçar com as pessoas que lhe servem. Não escuta deles o quanto têm feito diferença em suas vidas as políticas de distribuição de renda que lhes permite não serem reféns e trabalhar para a tia hemenengarda do clube paulistano como disse a Maria Rita Kehl. Sábia pessoa que hj trabalha dignamente trazendo a tona fatos os quais devemos nos lembrar para nos constituirmos e crescermos como povo.

Tenho todo respeito por quem vota diferente de mim hj, mas se “no universo da cultura o centro está em todo lugar” juntei meus cacos (uns tantos a mais que esses aqui) e hj, por uma cidade melhor,  acredito que até o FHC votou no Haddad!

Banheiros públicos

Um fato acontecido com um aposentado de 70 anos numa agência Bancária em São Miguel Paulista, zona leste da capital paulista, chama a atenção para um problema recorrente, a falta de banheiros nas cidades.

Eis a noticia: Falta de banheiro rende R$ 8 mil

Com problemas intestinais depois de muito insistir não conseguiu um banheiro e não teve outra opção, em meio as pessoas obrou ali mesmo na agência. Foi acionada a policia e um processo foi aberto no qual o senhor receberá uma soma em dinheiro por danos morais.

Consultando a legislação em páginas da internet há leis municipais, estaduais e federais sobre o assunto. Em grande parte tratam de assegurar a gratuidade do uso de banheiros em estações rodoviárias.

Interessante que profissionais da Saúde editaram um livro justamente sobre banheiros em São Paulo, colocado a disposição na internet por um laboratório químico. Na introdução deste os autores dizem que 10% das pessoas têm problemas em segurar suas necessidades, o que aumenta com a idade. E justificam a obra peguntando “Como fazer em uma cidade como São Paulo, imersa num trânsito caótico e que nos obriga a frequentar continuamente locais de grande aglomeração, como terminais de transporte público?” Essa pergunta eles tentam responder é bom dar uma espiada no livro, trata-se de nossa saúde.

É muito comum turistas terem problemas com isso e diversos guias turísticos colocam as redes de fast food como uma boa opção para usar um banheiro em momentos de urgência.

Enquanto isso cada um dá seu jeito pra descarregar…

Foto: Ines Correa

 

César Ades, grande Etólogo, grande mestre!

O descuido de uma pessoa ao dirigir roubou de nosso convívio o César Ades. Pra quem o conheceu não é preciso dizer nada, mas pra quem não o conheceu vou contar um pouco sobre quem foi esse jovem senhor que nos deixou aos 69 anos.

Numa de suas esplêndidas aulas ele falou sobre o comportamento de coleta dos primatas, que os  faróis vermelho amarelo e verde vieram direto dessa situação. Com amarelo e vermelho se para a corrida pela floresta para ver se o alimento já está maduro. Se está verde ainda, passa-se reto. Não é a toa que as cores do macdonald’s são essas.

Ele tinha paixão por aranhas e contava delas com um entusiasmo de adolescente. Entusiamo de adolescente aliás é uma boa forma de descrever o estado de espirito do César. No dia de matricula é conhecido que ele participava da pintura dos calouros e por esses deixava se pintar.

Um dia lhe perguntei se toparia compor uma mesa junto da professora Lígia Assumpção do Amaral (também falecida nas ruas de nosso trânsito caótico ) no dia mundial do meio ambiente. Psicologia e Meio ambiente foi a discussão que propus. Toparam, reservei a sala na hora de almoço e foi um bate papo simples, e muito bacana sobre o que unia esses dois temas.

Quando se tornou diretor ele já sabia da minha mania de plantar árvores pelo instituto, plantamos uma árvore para um funcionário que havia falecido na construção do bloco novo de professores. Mais tarde ele chamou para o plantio de uma figueira, esta, é muda de uma que ficava na Alameda Glete. Ali no casarão onde começou o instituto de psicologia. Naquele momento estava a se tornar um estacionamento, e a frondosa árvore seria derrubada contou triste. Mas sorriu olhando para a muda que conseguira.

Estar nos corredores da Psico nunca mais será tão alegre.

Participei da campanha preferência a vida, posto aqui em homenagem a esse grande professor. Obrigado por ter estado entre nós César!

Dias de Julie

Sexta de manhã, há uma semana e dois dias, minha mãe me ligou esbaforida, quando atendi escutei sua voz tensa dizendo “ainda bem, vc tá ai”,  me assustei num primeiro momento… até entender que o problema era eu. Ela escutou no rádio sobre a morte de um ciclista na Paulista.  A partir desse momento, comecei a ligar para alguns amigos que passam ali, com coração apertado. Me sentia um grande egoista com meu desejo de que fosse uma pessoa que eu não conhecesse. Chegando em casa, sem conseguir trabalhar li e-mails, escutei rádio, tentei entender o que tinha acontecido.  Um telefonema me falando um nome, outra ligação pra uma jornalista amiga confirmando e o mundo desabou, era uma pessoa que eu conhecia…

A Julie, moça de sorriso fácil, de luz forte em seus olhos, com uma forma bacana de propagar idéias para um mundo melhor… não queria acreditar. Nos pedais verde brincava com quem tivesse perto, distribuia carinho e atenção. Me tem invadido o sentimento que estar na rua de bici é como estar no mar, sujeito a forças maiores. Sabemos de nossos direitos como ciclistas, mas as pessoas ao redor ignoram esses direitos, é como se a luta por espaço não me disse consequencias até que o pior aconteça (vale ler este artigo). Ai a desculpa é que foi acidente, mas a atitude nunca é de cuidado e atenção com o outro. Fui procurar esse video:

sei que comparações são esdruxulas muitas vezes, mas o bom sentimento que traz essa rua é algo pelo que vale a pena lutar. Ainda me sinto de luto, ainda me encho de um sentimento de revolta ao lembrar do que aconteceu. De luto, lutaremos! Obrigado por ter compartilhado seu sorriso conosco…

Monotrilho da Ainhanha Mello

Primeiramente gostaríamos de dizer que somos totalmente a favor de transporte coletivo! Carros são úteis quando usados com moderação.

A avenida Luís Inácio de Ainhanha Mello talvez receba um mono Trilho, os planos são esses, mas os moradores estão indignados com as obras , como nos mostra essa reportagem. Reportagem que também fala sobre o corte de 360 árvores adultas, para cada qual serão plantadas quatro mudas. Mas isso não compensa a função ecológica que essas exercem hj  me explicou o pessoal do Árvores Vivas.

Assim é a Avenida:

São quatro pistas margeadas por lojas de carros e serviços para esses. A idéia é fazer um trem suspenso, o chamado Monotrilho, ou aerotrem pra quem já viu esse filme antes. As plataformas de embarque precisam de elevadores, uma pane lá em cima têm uma logística complexa de execução.  Ele passaria por aqui:

Há uma previsão de uma ciclovia ali também num trecho de pouco mais de 10km. Pelo que se vê na imagem parte integrante da estratégia de convencimento para a implementação do monotrilho. Talvez isso tenha haver com esse dado de que metade dos paulistanos quer mais ciclovias.  Entendi que a ciclovia será cercada por carros, a 60km/h, algo assim:

Não imagino crianças pedalando ali para ir a escola, nem idosos para ir ao mercado. De quantos em quantos metros há uma passagem para a calçada? Como é essa calçada?

Pra não ficarmos no pessimismo gostaríamos de postar outra imagem,  de um trem de capacidade semelhante no chão:

Dublin – Irlanda

Na cidade de Stuttgart, Alemanha os trens de superfície são maiores, têm maior capacidade que o monotrilho e que esses bondes, quem sabe teríamos de olhar para esses ao pensar em trens de superfície para são Paulo e região metropolitana.

Uma coisa é certa, é uma ilusão pensar que essas soluções virão rapidamente. Se os paulistanos sonham com rios limpos e transporte rápido para 2040 é hora de conhecer as possibilidades, planejar, incluir as pessoas dos bairros no processo decisório e então executar os planos amplamente conversados. Só assim poderemos viver numa cidade onde o sonho não é fugir no fim de semana.

Bienal de Arquitetura e o bonde da história!

Com o mote; “arquitetura para todos: construindo cidadania” está acontecendo a 9ª bienal internacional de arquitetura de São Paulo.  E pra minha surpresa há bem na frente da OCA, onde acontece o evento, um bonde.

Como é bom entrar nele, até dia 4 de dezembro estará estacionado no Ibirapuera, e tomara que em breve possamos visitá-lo nas nossas ruas.

A cidade de Stuttgart precisou de 25 anos para fazer a transição do bonde comum para um bonde de alta capacidade, que leva até 45.000 passageiros hora, em cada sentido, no mesmo espaço que em carros são transportados 2,5 mil pessoas pensando numa taxa de ocupação de 1,3 passageiros por carro, o que é a média paulistana.

Interessante conhecer o bonde exposto na Bienal, e saber que têm possibilidades que se adequadas as necessidades paulistanas nesse ramo. O tempo corre, a copa está ai, e cada decisão errada dificulta decisões subseqüentes para a melhoria das cidades.

A idéia do monotrilho, no alto me assusta, a cada estação têm de ser construidos elevadores, plataformas etc… muitas coisas a mais do que simplesmente tirar carros e colocá-lo na rua. Assim teríamos ambientes muito mais agradáveis que elevados como o minhocão. Imagine a tristeza de construirem algo assim na frente da sua casa….

Bola Quadrada no campo enlameado

‘Esporte no Brasil é o seguinte: a gerência é privada, mas os recursos são públicos. Assim fica fácil’, diz economista Elena Landau

23 de outubro de 2011 | 3h 06
O Estado de S.Paulo

CHRISTIAN CARVALHO CRUZ

Botafoguense tem cada uma… Dia desses a economista e advogada carioca Elena Landau praticava caminhada e sentiu uma dor aguda no quadril. “Fisgada no ilíaco. Meu amigo, você sabe o que é uma fisgada no ilíaco?”, ela destrincha, na maior das intimidades atléticas com o músculo acomodado nas cavidades ósseas das ancas. Com dificuldade para andar, foi afastada pelo departamento médico das cadeiras do Engenhão, de onde costuma ver as partidas do Botafogo quando o time joga no Rio. Trocou o estádio pela sala de casa. A visão direta do campo, pela intermediação da TV. Bem sem graça, ela achou. “Só que aí o Botafogo começou a subir na tabela e eu não quis arriscar: melhorei do ilíaco, mas não voltei pro estádio”, conta.

O time ainda vai bem no Campeonato Brasileiro, com chance de ser campeão. Se isso tem a ver com a heterodoxia de arquibancada de Elena, não há como saber. Mas não deixa de ser curioso comparar. Integrante da linha de economistas da PUC-RJ que formaram a zaga do governo FHC, naqueles tempos ela era chamada de ortodoxa por comandar – “sem jogo de cintura”, diriam os oposicionistas de então – o processo de privatização das empresas públicas. A plaquinha na porta do escritório ajudava nessa imagem: diretora de desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES.

É de dentro da área, portanto, que Elena fala: “O projeto da Copa do Mundo no Brasil está errado de partida. É um evento privado, destinado a atender interesses privados, mas que conta com recursos públicos. Tem cidade que faria melhor uso do dinheiro do BNDES se construísse metrô e corredor de ônibus, porque não tem renda nem público suficiente para fazer um payback do investimento”. Elena hoje trabalha como advogada numa grande banca no Rio e assessora o Instituto Teotônio Vilela, órgão de estudos ligado ao PSDB.

Numa semana rica em bolas quadradas rolando por campos enlameados – acusações contra o ministro do Esporte, Orlando Silva, ONGs de fachada, queda de braço entre o governo e a Fifa por meias-entradas e venda de cerveja nos estádios da Copa – o Aliás convocou Elena para comentar o jogo, mas ela avisou: “Houve um tempo em que eu acreditava que a gestão do esporte brasileiro podia mudar. Montei uma consultoria esportiva e até trabalhei no Atlético Mineiro e no Botafogo”. Diz que desistiu por cansaço. Deu cãibra na paciência, estiramento no desencanto. Sentiu-se vencida pelo jogo travado que se disputa no setor e, apesar de conhecer bem a cancha, agora prefere atuar como uma torcedora especializada, por assim dizer. “Hoje em dia os meus comentários sobre esporte são de pessoa física.” A eles, pois.

Esporte é questão de Estado?

Depende. O esporte ligado a educação, sociabilidade, cidadania e formação do indivíduo, como agente transformador de vidas, este é questão de Estado. Mas Copa do Mundo certamente não é. Trata-se de um evento privado. Como um show do U2 ou do Justin Bieber. Uma Copa só seria assunto de Estado se usada para alavancar uma transformação do espaço urbano. E, pelo que estamos vendo atualmente e também pela experiência dos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio, sabemos que não é esse o caso. O Pan de 2007 não revitalizou nada, não melhorou a cidade. Tem o estádio do Engenhão, que é onde joga o meu Botafogo e é até um bom estádio. Mas e o entorno? Aquilo é um abandono só, não há sequer transporte público decente para chegar lá. Acho importante separar esses conceitos entre público e privado para entender as causas da precariedade do esporte no Brasil.

Terceirizar o esporte para ONGs seria uma dessas causas?

O Brasil conseguiu desmoralizar a utilização das ONGs, que conceitualmente têm valor. Mas houve um exagero nessa terceirização do esporte. No fundo, as ONGs de esporte fazem hoje o que a escola pública fazia antigamente, mas deixou de fazer por causa do abandono e da decadência do ensino público, decadência física, inclusive. Há colégios que não têm quadra de esportes e precisam fazer convênio com academia de ginástica para ter aula de educação física. Para resumir, eu diria que o Estado brasileiro deixou de cumprir seu papel. Se achamos que o esporte é suficientemente relevante a ponto de ter um ministério específico, precisamos definir uma política esportiva clara para o País. Mas ministério no Brasil serve para assegurar governabilidade, preencher cotas dos partidos da coalizão.

Nada se salva em termos de política esportiva por aqui?

Em 2016 vamos sediar uma Olimpíada no Rio. Ok. Mas queremos desenvolver seriamente quantas modalidades olímpicas até lá? Três? Trinta? Temos aptidão para todas elas? Vamos investir só nas quais já somos bons ou também nas quais precisamos melhorar? O Brasil nem sequer sabe responder a essas perguntas. O projeto do Ministério do Esporte para a Olimpíada no Rio em 2016 é só fazer a Olimpíada no Rio em 2016. É um projeto de obras, não um projeto esportivo. A Austrália, quando sediou os Jogos em 2000, criou um programa para a natação que dá frutos até hoje. Eles não queriam passar o vexame de não ganhar medalha dentro de casa. No Brasil impera a mentalidade da escavadeira: “Oba, vamos sediar uma Olimpíada porque assim podemos usar o orçamento pra fazer obra. Se ficarmos em último lugar no quadro de medalhas, não tem problema”. É vergonhoso ver os ginastas brasileiros, que são uns heróis, talentosíssimos, mendigando patrocínio. E ao mesmo tempo ver uma ONG levando dinheiro do governo para comprar camiseta. Que diabo o governo tem que comprar camiseta pra ONG?! Por outro lado, não acho que ONG deva formar atletas olímpicos. Como se forma um atleta de competição, eu não sei. O Brasil vive de modismos, de ídolos momentâneos, como a seleção de vôlei do Bernardinho, o Gustavo Kuerten no tênis, anos atrás.

Mas por que nunca aproveitamos essas modas para criar uma política esportiva consistente?

O problema é que o Brasil não tem uma filosofia de trabalho nesse sentido, não segue nenhum dos dois modelos básicos de programas esportivos que conhecemos: o de participação maciça do Estado no desenvolvimento de atletas, como em Cuba ou na China, e o de formação nas escolas e universidades, como nos Estados Unidos. Aqui não temos nem um nem outro. Estamos perdidos no meio do caminho. Apesar de dizerem que nós temos a participação do Estado nos esportes, o fato é que o Brasil privatizou – e privatizou mal – os esportes. Entregou sem critério nenhum para federações e confederações, que não passam de feudos políticos. Então, quem cuida do esporte brasileiro? As ONGs, micro-organismos pulverizados e sem uma política unificada e organizada, ou as federações e confederações. Ou seja, quando é conveniente, o esporte é público, e aí pede dinheiro ao governo para os programas das ONGs, e quando não é conveniente, quando tem que prestar contas, ser transparente, reclama-se da interferência do governo em assunto privado. Eu sou a última pessoa a ser contra privatização de alguma coisa, mas vejo claramente uma apropriação indevida do esporte brasileiro pelo setor privado. Nosso modelo é o seguinte: a gerência é privada, mas os recursos são públicos. Assim fica fácil.

Qualquer semelhança com a Copa de 2014 é mera coincidência?

A Copa do Mundo é um evento da Fifa. Não é de governo de país nenhum e ninguém obriga um governo a se oferecer para sediá-la. Quem tem vontade de receber uma Copa se candidata porque quer. E desde o começo conhece as regras estabelecidas pelo dono do negócio, no caso, a Fifa. Então não vale agora, no final do segundo tempo, vir discutir se o Brasil está vendendo sua soberania ao ceder a pressões da Fifa para mudar esta e aquela legislação interna. Isso é uma bravata, uma coisa nacionalista, ufanismo bobo. Quando apresentou sua candidatura, o Brasil sabia perfeitamente onde estava se metendo. E aí fica discutindo a filigrana da meia-entrada e da venda de bebida dentro dos estádios. Aliás, deveriam aproveitar o momento para liberar de vez a venda de bebida. Isso é uma hipocrisia. Bebe-se tranquilamente nas barraquinhas em torno do estádio. E até parece que as torcidas organizadas deixam de brigar porque não podem mais beber. É simples resolver a questão da violência. O cidadão arrumou encrenca? Que ele seja retirado, fichado e impedido de voltar. A Inglaterra fez isso e funcionou…

Você falava que o Brasil conhecia as regras do jogo quando apresentou a candidatura.

Por causa do nosso histórico futebolístico, nós até gostaríamos de acreditar que para a Fifa é uma honra fazer uma copa no Brasil, o “país do futebol”. Mas a Fifa, obviamente, não poderia estar ligando menos pra isso. O que ela quer é ganhar o dinheiro dela e acabou. Ela chega, não coloca um tostão, ganha bilhões e vai embora. Isso não é novidade. O projeto da Copa no Brasil está errado desde a partida, porque foi feito pela CBF, também uma empresa privada, a fim de preservar seus feudos políticos regionais. É um projeto sem sentido. O governo brasileiro entra com dinheiro público – dinheiro do meu, do seu, do nosso imposto – em um projeto privado destinado a atender somente a interesses privados. Aí vem o BNDES e financia estádios em locais que jamais terão público suficiente para fazer um payback do investimento. Jamais. Isso é dinheiro a fundo perdido. Nem o estádio do Corinthians vai dar retorno. Teria se o clube colocasse 60 mil pessoas lá dentro em todos os jogos. Mas vemos pelo Campeonato Brasileiro que a média de público do Corinthians, que tem a maior torcida do Brasil (os flamenguistas que me desculpem), mal chega à metade disso. Se o setor privado tivesse se interessado pela construção dos estádios, o BNDES poderia financiar a transformação urbana das cidades. Eu não vou citar quais, para não melindrar prefeitos e governadores, mas tem cidade aí que certamente faria melhor uso do dinheiro do BNDES se construísse metrô e corredor de ônibus.

Por que o setor privado não se interessou pelos estádios?

Por que eles não vão dar dinheiro. Fizeram algum estudo econômico sério nas sedes da Copa? Desconheço. Vamos ter estádio digno de país com renda per capita de US$ 10 mil encravados em cidade com renda per capita que é um quinto disso. Como é que a iniciativa privada vai se interessar por algo assim? Mas o problema maior é mais antigo, vem antes da Copa. Nós devíamos estar nos perguntando por que o Brasil, com toda sua força de pentacampeão do mundo e gerador de craques, não tem estádios com nível internacional até hoje. A resposta é simples: porque não tem público, a média de público é deprimente, e não tem público porque o futebol brasileiro não é feito para atender o público. Quem programa um jogo de futebol para as 10 da noite de quarta-feira não está interessado na receita gerada pelo público. Mas deveria estar, porque um tipo de geração de receita não exclui o outro. Na Europa adotam um modelo de receita tripla: tem a parte da televisão, a do público pagante e a do marketing dos clubes. Só que lá, quando você vai assistir a um jogo de futebol, o estádio é limpo, confortável, seguro, tem transporte público na porta, comida de qualidade, lojas, lugar marcado, horário decente para que o jogo seja um programa familiar e um calendário imexível. Não tem esse negócio de adiar jogo porque vai haver um amistoso inútil da seleção contra o Gabão só para satisfazer interesse de patrocinador da federação. Desse modo, o público é garantido; e público garantido faz brilhar os olhos do setor privado. Mas o que temos no Brasil? Se a CBF não faz nada direito no futebol interno, como é que podemos esperar que ela possa fazer uma Copa direito?

Você estatizaria a CBF?

Eu preferiria que não fosse privada. Ao contrário do que se fez no setor elétrico, por exemplo, em que a exploração do serviço foi concedida mediante licitação, nunca houve uma licitação que desse à CBF o direito e o monopólio de representar o futebol brasileiro. Mas não tem como mudar. Não há elemento jurídico para isso. Me incomoda que a CBF não esteja preocupada com o futebol brasileiro. Não vejo problema que ela ganhe dinheiro, desde que licitamente, mas acho mal resolvido o uso que ela faz dos símbolos da Nação. A CBF não tem dinheiro público, não tem subvenção, só que usa o verde-amarelo da nossa Bandeira, canta o Hino Nacional… Quem a elegeu para fazer isso por nós e quanto ela paga ao governo para usar esses símbolos? Então, eu preferiria que ela não fosse privada. Nós brasileiros damos muito mais à CBF do que a CBF dá para nós. O futebol brasileiro não amedronta mais adversário nenhum. Jogamos de igual para igual com a Costa Rica. E eu tenho certeza que a decadência está diretamente relacionada a essa administração da CBF.

A Fifa alega que pode ter prejuízo de R$ 1,8 bilhão se não houver as adequações que ela espera na Lei Geral da Copa.

Prejuízo?! Como é que ela pode ter prejuízo num negócio em que não está gastando nada? Não estou entendendo essa conta. A Fifa deve estar procurando uma desculpa, pensando se vale a pena fazer a Copa no Brasil ou não. Mas ela não vai levar o evento para outro país. A relação entre Fifa e CBF é muito forte. A Fifa só tira a Copa do Brasil se o Ricardo Teixeira (presidente da CBF) quiser, não tem nada a ver com o governo brasileiro.

Qual a sua avaliação sobre as denúncias de corrupção contra o ministro do Esporte, Orlando Silva, e o impacto delas na organização da Copa?

Me parece que desde o início da gestão a presidente Dilma Rousseff tinha a ideia de contar com alguém de fora do ministério para tocar a Copa. É um evento específico, não precisava misturar com o dia a dia do ministério. Mas isso não vingou. O fato de a presidente assumir o controle da Copa mostrou a importância que o governo brasileiro está dando ao evento, o que é muito bom. Dá mais moral para o cronograma, para a execução das obras. Agora os envolvidos terão de despachar diretamente com a presidente da República, e ela já tem essa imagem de gestora determinada, incisiva. Talvez seja uma boa oportunidade de colocar alguém no ministério com perfil estritamente técnico, para que a pasta deixe de ser só essa simples repassadora de verba para ONGs.

 

ELENA LANDAU é economista, advogada, ex-diretora do BNDES, ex-consultora em Gestão Esportiva e botafoguense

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